terça-feira, 11 de novembro de 2008

Imagem e semelhança

- Eeeeee!- Paulinho vai devagar!... Paulinho para de correr! Se tu cair e te sujar, tu vai ver só!- Eeeeee!Cruzavam a ladeira em frente a praça. Personagens típicos das ruas à uma hora da tarde. Mãe solteira levando o filho para a escola. Filho único com mochila de três cores, pastinha com desenhos, bermuda e disposição total até às sete e trinta da noite.Mãe e filho.
- Eeeeee!
O menino corre metros a frente da mãe, saltando sobre pedaços de gramados, encontrando tesouros por onde passa, correndo a vida em seu sentido mais puro. A mãe atrasada, zela pela segurança física do menino, espera que suas roupas não fiquem podres de sujeira, para que ela não tenha que se matar muito no tanque logo mais à tarde...Mãe e filho rumam.
- Eeeeee!- Paulinho, pára!- Eeeeee!- Paulinho, olha ali o velho-do-saco! Se tu não parar ele vai te pegar!- (...) Bastou uma frase da mãe, uma verdade imposta na mente do jovem menino para que ele se calasse, retomasse a postura e a serenidade. Quão astuta pode ser a psicologia de uma mulher-mãe! Nem precisou de um grande discurso, tese, esperimento, bastou dizer ' velho-do-saco vai te pegar' e o garo...Espere. Ela acabara de dizer olha ali o velho-do-saco, e o menino se assustara. Mas, não havia ninguém na rua, apenas eu, sentado neste banco laranja da praça. ERA EU O VELHO-DO-SACO!!! A mãe me usou para assustar seu filho! E funcionou! O garoto aquietou-se, deu até a mão e escondeu a cabeça nas pernas da mãe...Era eu o velho-do-saco. Agora meu momento de descanço momentâneo tornara-se um dilema, seria eu o velho-do-saco? Uma vez que para aquele jovem menino eu o era sem dúvidas, talvez pelo resto de sua vida fique esta imagem em sua cabeça a atormentá-lo.O que teria eu de semelhante com tal personagem do folclore infantil?Ponho os cotovelos nos joelhos, curvo as costas doloridas e coço a barba...Olho minhas mãos, estão grande parte pretas de graxa, nas unhas, nos pêlos, a coloração negra se espalha pelo macacão azul forte, fechado, horrivelmente quente. De azul só tem o passado, agora o encardido cobre minha carcaça cansada, afinal era uma hora da tarde, minha jornada de trabalho começara as seis e meia da manhã, quando eu mesmo abria as portas da oficina mecânica.Deus nascia o sol, eu erguia a velha porta de ferro, durante dias e dias tentava eu imitar Deus. Ele erguia o sol, eu erguia a velha porta. As seis horas da noite, ao encerrar minha jornada de onze horas e meia diárias de trabalho braçal, baixava a velha porta de ferro. E Deus baixava o sol. Ficava seguindo seus passos, sendo sua imagem e semelhança ao modo que me cabia.Deus baixava o sol, eu baixava a velha porta de ferro.Não sei o que Deus faz depois que encerra sua jornada de trabalho, talvez vá a um pub beber algumas nuvens douradas, cujo gosto só nos faz pensar em mel com maçã e cerejas... Eu, no entanto, não tinha esta opcção. Tomava um ônibus para trinta e oito passageiros, porém com sessenta e nove passageiros, sendo eu o 70º. Todos olhavam feio e torto, como se eu fosse a gota d'agua que fizesse suas vidas transbordarem. Como se eu fodesse com o resto de um dia que já tinha acontecido tudo de ruim para acontecer.Eu era a gota d'agua, por ironia coberto de azul. Um azul encardido de graxa. Se era eu àgua, estava poluído. Se eu transbordava as pessoas, contaminava suas vidas.Esta era minha imagem e semelhança.Era a única que me cabia.
Sentado dia após dia nesta mesma praça, na pobre uma hora de almoço, sendo que trinta minutos foram destinados à alimentação, um grande prato com feijão, arroz, três garfadas de massa, bife, ovo, às vezes batatas.Descansava meia hora nesta praça de bancos laranjas. Bem na hora das crianças. Um grupo delas voltava para casa, vindos da escola, chutando latinhas, conversando sobre coisas distantes, cansados, mas de quê?Outro grupo saia de casa, iam para a escola, levavam mochilas, pastas, alguns levavam figurinhas e salgadinhos. Bermudas, tênis, cores, sorrisos.Nada mais fazia parte da minha imagem e semelhança.Meu espelho era um grotesco homem de meia idade, peludo, coberto por um pano grosso azul forte, manchado de negro, com um cheiro desprezível de só quem trabalha deitado no chão em baixo de velhos caminhões sabe como é. Meu espelho e o dessas crianças eram de mundo tão diferentes, que dificilmente eu poderia me lembrar de ter tido infância. Tão dificilmente alguma dessas crianças sonharia com um futuro como o meu.Meu futuro. Algum dia sonhei ser como sou hoje? Alguém sonharia? Imagine um filho chega para a mãe e diz: 'Mamãe, quando eu crescer quero ser horrendo! Usar todos os dias o mesmo macacão quente e sujo, comer nos piores bares da cidade, passar o dia inteiro suando e fedendo em baixo de carros velhos, ganhando uma miséria que mal vai poder sustentar minhas necessidades básicas! Deixa mamãe, deixa ???!!!
Condenem-me. Sou o anti-sonho. Minha vida é anti-qualquer coisa. Minha existência é anti-tudo. Sou uma mancha azul-negra sentada na praça, usado para assustar crianças. Vêjam a minha função na sociedade crianças, se não fosse eu, o meninininho nunca teria aprendido essa grande lição. Depois de sua mãe decretar sua sentença, o menino parou, tornou-se comportado e tem agora em sua mente uma imagem e semelhança de Deus. Daquilo que deve fugir. Do que não deve ser de maneira nenhuma. Sou parâmetro, sou medida, sou Deus em sua mais alta forma de ser. Hoje observo, ergo o mundo as seis e meia da manhã e o trago a baixo as seis da noite.Deus e eu. O negro e o Azul. Fundidos. Vejam, crianças.

3 comentários:

Ket disse...

muito tri, tric!

Pulga disse...

Como falei o texto é mnuito grande ¬¬
ahh sim falarei mais de doces qndo eu fizer mais

- Débora macho falando.

- Sou eu Déborá! Capitão Hank!
-Acabou a luz Déborá! O Joaquin vai consertar Déborá!

Raquel disse...

Nossa! Muito verdadeiro o texto.

Abraço.